A passagem
O dia estava nublado e
na pequena capelinha do cemitério dona Maria velava pelo marido que havia
morrido de pneumonia.
-Fique triste não dona
Maria, pois Deus sabe o que faz e Antônio recebeu o descanso merecido-
disse-lhe Clotilde em tom de pesar.
Noutro canto da
capelinha de semblante fechado seu Quitério o dono do bar, olhava pensativo
para o corpo estendido sobre a mesa de mármore preocupado com quem pagaria a
dívida que o defunto deixara.
Do lado de fora da
capelinha dois homens conversavam a respeito da morte de Antônio:
-É sempre assim depois
que morre vira santo não é mesmo Osvaldo?
-Verdade José. Antônio
não saia do bar, bebia feito uma esponja, traia a mulher e agora que morreu
vira santo.
O velório atravessava a
noite enquanto os presentes teciam os comentários de tudo que é tipo e raras
eram as lembranças boas sobre o falecido.
Antônio que em espírito
permanecia na capelinha ouvia atento e decepcionado cada comentário que faziam
a seu respeito.
Seu guia que o
acompanhava na derradeira passagem, compadecido de sua dor procurou lhe
consolar:
-Não se entristeça
Antônio com esses fúteis comentários. Se já falavam mal de você em vida porque
deixariam de falar na hora de sua morte? Isso é muito mais comum do que você
imagina. Aliás, morrer não é o problema. Problema mesmo é o pós-morte, ou seja,
encarar a verdade do outro lado da vida.
“Você morreu já velho e
de certo modo se conformou com a situação”. Mas nem sempre é assim. Tem gente
que morre e não aceita, vive revoltado e quer voltar de qualquer jeito o que é
impossível. Muitos morrem na ignorância e por medo do desconhecido ficam presos
ao corpo já sem vida. Sem falar nas pendências emocionais que levam os recém-defuntos
a perturbações de toda sorte. E os que deixam o corpo ainda apegado às coisas
terrenas? Como você pode perceber o problema da morte não está na própria morte
e sim na falta de entendimento do processo da inevitável passagem.
Apesar de triste
Antônio senti-se um pouco melhor com as palavras do guia. Sabia que a morte era
uma viagem sem volta e que aceitar e procurar entender a vida do outro lado da
vida era o melhor a se fazer. Tinha vontade de dizer a todos que estava vivo e
que a morte não era o fim, porém, sabia que suas palavras seriam em vão.
Seu guia o segurou
carinhosamente pelo braço e lhe disse em seguida:
-Vamos Antônio, está na
hora de seguir viagem.
Antônio aproximou-se de
dona Maria e a enlaçou num comovido abraço de despedida. Depois acompanhado de seu guia seguiu na luz
de um destino desconhecido que o aguardava do outro lado da vida.
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