domingo, 11 de dezembro de 2016

Coração rebelde.

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"Nada é por acaso"
Continuação do livro Coração Rebelde.
Por Carlinhos de Aruanda.

O refeitório da loja estava quase vazio. Muitas vendedoras já tinham almoçado. Nina vendo que estava a sós com Clovis aproveitou a oportunidade para puxar assunto:
-Como vai, Clovis?
Clovis olhou supreso para ela, pois sabia não ser do feitio dela puxar conversa com ele.
-Estou bem.
-Ontem a noite vi você e Jasmine conversando naquele bar da esquina. O papo estava animado.
Ele sabia que Nina não era mulher de dar ponto sem nó. Com certeza ela estava querendo alguma coisa, no mínimo, destilar um pouco do seu veneno.
-Conversamos bastante sim, mas nada de tão importante.
-Sei que você é amigo de Jasmine. Mas acho ela tão exibida, só anda de nariz impinado.
-Impressão sua. Jasmine é uma pessoa muito bacana e também humilde.
-Não acho ela humilde não. Passa por mim fingido que nem me conhece.
Percebendo que Nina queria levar a conversa para a maledicência, Clovis se esquivou da companhia dela e foi cuidar dos seus afazeres.
Nina, nada boba, sentiu a reação de descaso de Clovis. Enquanto ele saia pela porta do refeitório ela disse em tom baixo:
-Vai lá seu bicha cuidar da sua protegida. Pensa que não sei que você é assim com ela? Vocês se merecem, pois são frinha do mesmo saco.
Nina não se dera conta de que sua atitude de inveja criava em torno dela uma atmosfera pesada e negativa. Não gostava de Jasmine e considerava Clovis um puxa saco de mão cheia. 
-Ela pensa que é gostosa -pensava Nina consigo mesma- mas não passa de uma vadia metida a besta. O que é dela está guardado.
Apesar de desejar o mal para Jasmine, o que Nina não entendia, é que o mal que ela tanto desejava pra outra se voltava para ela mesma.  Pois Jasmine estava no seu melhor e por isso era protegida naturalmente contra as forças do mal.
Jasmime não tinha conhecimento das Leis espirituais. No entanto, mesmo sem saber, se posicionava no seu melhor, promovia sua auto estima e ainda tinha amor próprio. Aliás, não há proteção maior do que ter uma boa auto estima.
No final da tarde, Clovis chegou em casa e após cuidar de suas necessidades pessoais dirigiu-se para um pequeno comôdo que ficava no fundo do quintal. Era um comôdo simples onde ele tinha feito seu terreiro.
Apesar de gostar da Umbanda, Clovis não se considerava um umbandista. Trabalhava, sim, com as entidades. Mas preferia se dizer um espiritualista independente.
Como era sexta feira, dia de trabalhar com a pombas giras, Clovis atenderia alguma mulheres que o procuravam para receber conselhos das moças.
Começou a gira às 20:30 em ponto. Após a abertura dos trabalhos da noite, já incorporado, Clovis começou a atender.
Uma mulher, aproximadamente uns quarenta anos, aproximou-se e cumprimentou a entidade. Acomodou-se num pequeno banquinho e beijou as mãos da pomba gira.
-Boa noite, Joana, o que a trás aqui?
Meia embaraçada e um tanto tímida a mulher começou a falar: 
-Não sei o que acontece, Padilha. Fiz tanto pelo meu marido, me dediquei ao máximo pra ele, vivi em função dele e agora, após vinte anos de dedicação, ele me troca por outra e ainda fala mal de mim como se eu não significasse nada pra ele -lágrimas rolavavam copiosamente dos olhos da mulher.
Padilha, já acostumada ao ouvir experiências amorosas semlhantes, deixou a mulher desabafar e depois lhe disse:
-Você nem se deu conta, Joana, mas você mesma já respondeu a pergunta que me fez.
-Como assim, Padilha?
-Seu marido te trocou por outra porque você fez tudo errado. Além de se anular, se colocar em último plano você ainda viveu em função dele. Ai não tem casamento que resista. Olha, meu amor, não foi ele que foi embora, foi você quem o afastou com seu modo de agir, com sua energia de desvalorização.
-Mas, Padilha, fiz o que fiz por amor. O amor não é a coisa mais importante num casamento?
Padilha soltou sua gargalhada costumeira, deu um trago no cigarro e respondeu:
-O amor é muito importante no casamento, sim, minha filha. Mas se ele não estiver amparado pela inteligência e bom senso, não tarda a naufragar no mar da ilusão. Se você tivesse amado com inteligência não teria jamais vivido em função do seu marido. Não teria se anulado e muito menos feito dele o seu rei, o seu dono. Agora ele está lá nos braços de outra enquanto você está ai jogada as traças. A pergunta certa não é o que ele fez pra você, mas o que você fez de si mesma enquanto estava com ele. Concorda?
Joana permaneceu em silêncio por algum tempo. Nunca tinha olhada a situação por esse novo ângulo. Se via como vítima da situação. Agora, com aquelas novas informações, entendera que ela também tinha sido responsável por tudo que lhe tinha ocorrido até então. 
-Concordo sim, Padilha. De fato me abandonei, me deixei de escanteio para viver em função dele. Nem mais cuidava da minha aparência e eu que era vaidosa, que gostava de me cuidar, ficar bonita. Você tem mesmo razão. Eu também contribui para que tudo acabasse como acabou.
-Agora é hora de juntar os pedaços e construir uma nova mulher. Lembre-se que o que acabou foi o casamento e não você. E também não se culpe pelo o que aconteceu. Afinal, você fez o que achava certo na época, você agiu segundo seu nível de entendimento das coisas. Por isso, esquece o que passou e siga em frente determinada a ser feliz. Certamente, você não pode juntar os caquinhos de uma taça quebrada, mas pode comprar outra mais bonita ainda.
Joana estava mais calma. Sabia que não seria da noite pro dia que se transformaria numa nova mulher. No entanto, estava decidida a atingir esse fim levasse o tempo que levasse. Agradeceu pelos conselhos recebidos, beijou a mão de Padilha e saiu do terreiro sem perceber que ali nascia uma nova mulher.

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